31.7.08

Alma costurada

Mentira seria dizer que não amo. Sempre amei. Desde o dia em que esperei o intervalo de uma nota de cavaquinho e violão para encontrar e ter a certeza que iria ter pra mim, descobri que existem costuras antigas que apenas se desfazem para dar graça e aventura às suas duas partes que devem e, invariavelmente, serão remendadas. Um remendo que não deixa marca de linha, que encaixa como se fosse uma peça de lego, um tipo novo de costura automática, acoplável. Mas de que vale tal separação? Porque devemos reencontrar? Mais fácil seria não separar-se, permanecer um só. Claro, mais fácil, mas não mais belo. Nada mais certo do que a perda para fazer a alma renascer ao encontrar sua parte, tendo certeza de que é algo seu, de direito. O que seria do escuro se um dia não tivesse encontrado a luz? Nem saberia da beleza que é ser escuro e poder ter a certeza do seguro e perfeito dia iluminado. Depois que um feixe rasga o breu, a escuridão por si só vira passado e nunca mais será apenas escuridão. Agora sim ela é completa, pois tem o que lhe transforma em algo único, sua metade, sua certeza de ser quem é.

Mentira seria dizer que não sou. Sempre fui. E hoje vejo como é bom poder ser, sem tirar, nem precisar pôr. O fim da busca por uma aceitação que jamais seria plena se não fosse por si mesmo, se não fosse por um pedaço que sempre foi meu, devidamente costurado em seu lugar. E a beleza está em não precisar acrescer nada a esse pedaço, vê-lo em sua plena perfeição e convicção. Admiração, felicidade gratuita e constante. A transformação de dificuldades e tristezas de fora em certezas de que não poderão abalar a estrutura desse novo corpo. A nova costura é inabalável, sem vestígio, sem noção de começo, meio e fim. Chega a ser egocêntrico, um amor quase próprio de tão próximo que tal parte se faz, um orgulho de si por encontrar esse pedaço e possuí-lo de forma pungente, visceral, entregue como em um sonho bom.

Mentira seria dizer que não sonhei. Sempre sonhei. E cheguei a contestar a realidade de acordar, duvidando que o sonho realmente não aconteceu. Me vi perdido no meio de um, quando não lembrava mais o que vivia durante um sono bom e percebi que não precisava lembrar, pois não precisava mais sonhar. Ter o que se busca mesmo sem tentar buscar, encontrar o tesouro mesmo sem consultar o mapa, é como transformar a realidade sonhada em traços físicos com detalhes, curvas, sorrisos, dentes, bochechas, boca, prazer, expressões, vontades, loucuras, lóbulos e umbigo. Não preciso me lembrar de ter sonhado com isso, para ter toda certeza de que sonhei. E duvido que outra pessoa no mundo tenha conseguido sair do sonho para a realidade com tanta naturalidade. É fato, se alguém soubesse que a realidade poderia sair dali, teria certamente inventado uma forma de escolher o conteúdo, um sistema de escolha sonhada. O aluguel de sonhos seria o serviço mais requisitado do planeta: "entre, veja as opções e escolha o que virá durante o sono!". Daí a desvendar o segredo de transformar isso em realidade seria um pulo. Por hora eu guardo esse segredo para mim.

Verdade será, por saber guardar. E sempre guardarei. No dia em que percebi que não precisava buscar momentos felizes, pois poderia tê-los sempre, percebi também que guardar o que ganhei, o que minh'alma encontrou, o que encaixou-se com toda perfeição e a certeza de um corpo só, deveria ser a minha maior meta. Pensando nisso eu posso pensar em nomes, casas, futuro, cabelos brancos e cadeiras de balanço. Eu guardo para não deixar mais a mínima possibilidade de se descosturar, para mostrar que a separação em outro plano já foi suficiente para provocar uma saudade incessante, uma vontade pulsante de encontrar. Hoje eu vejo minhas vontades à frente de um futuro absurdamente entroncadinho, um futuro próximo e, mesmo planejado, ainda cheio de lindas surpresas azuis e cor-de-rosa. Tantas cores e estruturas, projetos e canções transformam um simples dia em pura poesia. Penso nisso com o carinho de um sambista que compõe sua obra mais bela, com o amor expressado em linhas nas mais antigas canções de amor. Vejo que me bastou uma olhada para querer encontrar, uma palavra para querer continuar e uma certeza para querer possuir. Hoje eu possuo, sei que é minha e não consigo expressar isso em palavras ou notas musicais, não acho suficiente e, assim, tento apenas viver e dissertar sobre tudo, agradecendo por sonhar, por ser, por guardar e por amá-la hoje, amanhã e depois também...

1 Comments:

Blogger lu colores :: acessórios coloridos said...

eu te amo...muito.
e me reapaixono por você sempre que acordo.

31/7/08 13:38

 

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